Jorge Kuge fala com o InnerSport

Falar da história do skate no Brasil sem falar da URGH é impossível. Falar da URGH sem falar de Jorge Kuge, não dá! Nesta entrevista que o “Mestre Kuge”, skatista e fundador da marca, concedeu ao InnerSport, muitos assuntos entraram em pauta, como a evolução do skateboard no país do futebol, e, a proibição, por Jânio Quadros, então prefeito de São Paulo (1988), de andar de skate pelas ruas da cidade. É também um dos responsáveis pelo evento da Mega Rampa no Brasil. Jorge Kuge conheceu o skate em 1974, lá se vão 37 anos de prática. De lá para cá muita coisa mudou, graças, inclusive, a este praticante que se tornou empreendedor em 1982, fundando a marca URGH. Além de disputar competições como skatista, Kuge tem sua parcela na evolução de skatistas como Bob Burniquist, Cristiano Mateus, Lincoln Ueda, entre outros.

Jorge Kuge, skatista e proprietário da marca URGH / Foto Divulgação

Ele foi responsável pela fabricação do primeiro skate profissional no Brasil, em 1985, somente depois disso vieram as competições profissionais. A partir daí tudo começou a fluir. Atualmente a URGH tem uma das melhores equipes de skatistas do mundo, nomes como Edgard Vovô, Gian Naccarato, Igor Smith, Ítalo Peñarrubia, Kelvin Hoefler,  Fábio Castilho, Flavio Lopes e Per Canguru fazem parte do time. Jorge Kuge não parou por aí e promete fazer muito mais pelo skate brasilerio.

Nos anos 70 e 80 era muito mais difícil um jovem ter contato com o Skateboard. Como o skate apareceu na sua vida? Meu contato com o skate foi em 1974, quando um amigo levou um skate “Benrose” na sala de aula. Depois foi paixão na primeira deslizada.
Para muitos, o skate é uma espécie de “brincadeira”, quando você percebeu seu talento para competir, e como isso se tornou sério na sua vida? 
A verdade é que o skate era uma maneira de diversão barata, dava condições de evoluir muito, meus finais de semanas se resumiam em andar no Parque do Ibirapuera o dia inteiro, até o momento em que percebi que estava pronto para encarar algumas competições. Naquele tempo (77/78/79), não existiam instituições que cuidassem dos interesses dos skatistas. A partir dos anos 80, os mais experientes, foram nomeamos como semi-profissionais. O reconhecimento dos atletas mesmo veio na mesma época em que foi criado o primeiro shape profissional – de laminas de madeira marfim e resina epóxi – em 1985, pela URGH. Depois, alguns skatistas passaram a assinar seus próprios modelos e receberem comissões das vendas. Foi um grande passo, como empresa estávamos efetivamente colaborando com a evolução do skate brasileiro, e, a cada passo, envolvidos no processo de fomentar um mercado inexistente, praticamente sem recursos, sem eventos, sem revistas, sem pistas, sem incentivo, sem nada, só com a força de vontade das pessoas que queriam ver o skate se transforma num grande esporte. E, como skatista, tive o prazer e a honra de assinar um dos primeiros shapes profissionais, isso fez eu aperfeiçoar minhas técnicas, para inspirar novos skatistas, e, perceber, que viver de skate era possível.

QG Skate Parque, 1986 / Foto divulgação

Nos anos 80, o skatista foi marginalizado e o Jânio Quadros chegou a proibir o esporte, como foi brigar contra isso? 
Foi uma atitude estúpida e autoritária do Sr prefeito, na época, que quis calar os skatistas, dando ordem à polícia de coibir e tomar os skates dos jovens. Isso criou um transtorno danado e gerou uma insatisfação dos skatistas que foram as ruas protestar e pedir a quebra desta imposição absurda. O povo se mobilizou e logo a lei caiu, foi uma das piores manobras do Sr Jânio, como prefeito de São Paulo, proibir a prática de um esporte é ridículo, a ditadura já havia terminado e este tipo de liderança não fazia parte dos novos conceitos da democracia.
Hoje em dia, você acredita que o skatista ainda é discriminado ou marginalizado?
Hoje, o skatista é reconhecido como profissional, alguns muito bem remunerados, envolvidos em eventos internacionais e nacionais de grande visibilidade. O skate movimenta um mercado gigantesco com marcas, empresas, lojas, devido ao árduo trabalho dos pioneiros ao longo do tempo. Os mesmos que foram taxados como marginais, vagabundos, etc…
Você continua sendo uma referência para muitos jovens que iniciam na modalidade, o que poderia dizer para incentivá-los?
Eu digo que sigam seus instintos e seus sonhos. Se o skate for a escolha, vá em frente e se divirta muito nas “sessions” com os amigos. A base do skate é isso. E, se quiser ser um profissional top, saiba que vão exigir muita dedicação e perseverança, como qualquer outro tipo de modalidade esportiva, para se destacar em performances e obter bons patrocínios, rodar o mundo, e, ser feliz.

Primeiros shapes profissionais assinados por skatistas / Arquivo pessoal

Em 1982, você deixou de ser apenas um praticante do esporte e fundou a URGH. O que te levou a fundar uma marca de skateboard?
Na verdade eu era um garoto que queria andar com um material melhor e sem perceber acabei montando um negócio. Adorava desenvolver produtos e vendia nos eventos que participava. Os amigos faziam encomendas e a minha mãe produzia, artesanalmente, bermudas de nylon, dai surgiu a idéia de fazer uma marca de skate.
Em que quesitos a URGH colaborou na evolução do skate brasileiro?
A URGH investe, inova, desenvolve coisas de primeira linha em tudo que faz, sempre apoiou e incentivou os novos talentos brasileiros. Esta será uma direção eterna, está no DNA da marca, é fundamental investir nas bases e produtos de boa qualidade para dar a longevidade ao esporte e ao mercado, acho que esta é a nossa maior contribuição.
Hoje, a realidade é outra e temos vários skatistas nacionais conquistando o mundo, como você enxerga a nova geração e o futuro do skate nacional, Brasil afora?
A nova geração esta cada vez mais fortalecida com todas as experiências que o skate brasileiro tem vivenciado. Estão muito mais preparados, com muito mais ferramentas para enfrentar os desafios que vêm pela frente. Além de serem os skatistas mais apaixonados pelo esporte no mundo, que eu conheço. Eles vão longe e ninguém segura!

Mega Rampa em 2009 / Arquivo pessoal

Você foi um dos responsáveis por trazer a Mega Rampa para o Brasil, qual importância deste evento acontecer aqui? Além deste ano, podemos esperar por mais quantas edições?
Trazer um evento de proporções gigantescas para o público brasileiro era tudo que a gente sonhava, e só foi possível através do Bob Burnquist, um dos maiores ícones e ativistas do skate de todos os tempos. Com o ótimo relacionamento no meio empresarial, acabamos obtendo os direitos de executar a Mega Rampa no Brasil. Estamos na terceira edição, e, é considerada, pela Rede Globo, a segunda maior audiência em eventos esportivos, só perdendo para um grande clássico de futebol e deixando para trás, por exemplo, a Formula 1. Vamos batalhar sempre para que todo ano aconteça uma etapa do circuito Mega Rampa em terras brasileiras.

Em 2010, a URGH ajudou a produzir o filme Vida Sobre Rodas, para muitos o melhor documentário sobre Skate do mundo. Como foi participar deste filme e qual a próxima surpresa? 
Ter uma câmera filmadora na década dos anos 80 era uma coisa rara e por sorte eu tinha uma em mãos, acabei registrando muitas cenas que foram usadas no filme VIDA SOBRE RODAS, do meu amigo e diretor Danile Baccaro. Este documentário foi às telas do cinema em 2010, e, neste ano, participou do III Hollywood Brazilian Film Festival, que foi exibido no Chinese Theatre, local dos grandes lançamentos dos filmes americanos (Piratas do Caribe, Harry Potter etc). A organização cedeu a principal e maior sala do complexo por conta da grande demanda dos bilhetes para o documentário. A reação do público, na maioria americana, foi fantástica, muitos se emocionaram com a história do skate brasileiro. Não poderia ser melhor, vale a pena conferir! O próximo trabalho é um DVD documentário comemorativo da marca URGH, que irá completar 30 anos de existência em 2012. Valeu !! Skate Sempre!

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