Gina Fellix sofre punição duvidosa no Paulista de Bodyboard

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Para o defensor da atleta o caso alerta para um problema sério a ser enfrentado pelas entidades desportivas já que os esportes de pranchas estão cada vez mais profissionalizados e os atletas mais cientes de seus direitos

Gina durante a 1ª etapa do Circuito Paulista de Bodyboarding 2017, Mongaguá / Foto Febbesp

Onde há competição sempre existe o risco de haver uma decisão duvidosa e, pela lógica, um competidor sai prejudicado enquanto o outro beneficiado, mesmo que não tenha o direito. Por muitas vezes somos surpreendidos com erros grotescos que mostram uma falta de profissionalismo e imparcialidade no julgamento feito pela bancada responsável que pode desestruturar psicologicamente o atleta. Só para refrescar a nossa memória podemos relembrar a situação que envolveu Gabriel Medina na bateria contra Tanner Gudauskas durante o Hurley Pro at Trestles, em 2016, que gerou uma chuva de protestos contra a World Surf League (WSL), e deixou o atleta muito nervoso.

E, situações assim acabam se repetindo em eventos em geral, de modo que sempre quando um erro de julgamento ou uma decisão técnica disciplinar é feita, um atleta é prejudicado, e não adianta reclamar aos dirigentes. A sensação é que eles são intocáveis. E este tipo de comportamento não é um “privilégio” só no surfe. Acontece em vários ambientes esportivos. Em novembro do ano passado, a campeã mundial amadora de 95 e tricampeã paulista de bodyboard Gina Felix, local de São Vicente/SP, com 22 anos de experiência em competições, se indignou após ser vítima de uma decisão arbitrária da Federação de Bodyboarding do Estado de São Paulo que tirou dela a chance de disputar o título Paulista de Bodyboard.

Gina explica que na etapa do Bodyboard Attack 2017, válida pela terceira e última do Circuito Paulista, que aconteceu no dia 15 de novembro de 2017, na praia da Vila Caiçara, em Praia Grande, litoral Sul de São Paulo, teria avançado na sua bateria das quartas de final e desclassificado a atleta Renata Costa, adversária direta na disputa do título estadual, junto com Mayara Lopes, a quem enfrentaria em disputa direta na bateria semifinal seguinte se não fosse punida abusivamente pelo dirigente da entidade com uma interferência (obstrução na onda de outro atleta), por ter surfado uma onda a mais em seu repertório de 10 ondas, o que lhe levou a desclassificação do evento.

No entanto, a adversária até então derrotada, logo após a bateria, promoveu, juntamente com pessoas de seu convívio, forte pressão no dirigente da Federação e também organizador da prova, Adilson Junior, o Chumbinho, e assim conseguiu modificar o resultado que veio a punir Gina com uma interferência por ter surfado a 11ª onda, mesmo sem ter obstruído a onda de alguém. Fato curioso, é que a atleta que obteve êxito no protesto com a sua reclassificação é patrocinada pelo mesmo patrocinador da primeira etapa do circuito e, por ser credor de um patrocínio do certame, seria prudente o dirigente-organizador não participar desta decisão, até mesmo porque a lei que rege os desportes proíbe os dirigentes de participarem das Comissões Disciplinares, sem contar o próprio Livro de Regras, que impede que o organizador influencie a decisão da Comissão Técnica.

Segundo as regras do Bodyboard, surfar a 11ª onda é proibido, mas não há previsão de punibilidade, o regimento é omisso. Nesse caso, o Livro de Regras expedido pela Confederação Brasileira de Bodyboard aponta que as omissões serão decididas pela analogia dos fatos, e o fato mais análogo com o caso concreto é o que imputa o pagamento no valor equivalente ao de uma inscrição para o atleta que surfar uma onda após o início de outra bateria. Além disso, poderia se concluir que não sendo caso de reincidência, uma simples punição com cartão amarelo de advertência, era a medida adequada, só que quem deveria tomar esta decisão é uma competente Comissão Disciplinar, e não o dirigente, pois este também atua como organizador e diretor técnico ao mesmo tempo.

A atleta ressalta que não havia ninguém surfando a mesma onda que ela e mesmo assim recebeu arbitrariamente a punição mais severa que poderia ter recebido, sendo desclassificada do torneio, o que a deixou de fora da disputa do título paulista e dos prêmios oferecidos na etapa. Muito inconformada ela agora procura reverter a situação com o apoio da Comissão dos Direitos do Surfe e Esportes Conexos da OAB/SP, Subseção São Vicente, e terá como advogado o coordenador da comissão, o ex-surfista profissional, Dr. Daniks Fischer.

“Estou muito indignada com a forma que o presidente da Federação avaliou a minha participação na última etapa. Ele nem estava na hora do ocorrido e decidiu. Para mim é abuso de poder. Eu já me informei e sei que o erro foi deles e gostaria de um posicionamento oficial da Federação. Vou correr atrás dos meus direitos e gostaria muito que fosse anulado o título dado à atleta Renata Costa, e seja realizada uma nova bateria semifinal entre eu e a Mayara Lopes, com um julgamento justo e honesto. O que aconteceu comigo foi um grande erro, uma grande injustiça e falta de profissionalismo. A punição não devia ser uma interferência, já fui informada informalmente por um árbitro profissional que atua no mundial de Bodyboard que uma onda a mais do limite não é considerada interferência “, conclui Gina.

Para o advogado da atleta, o caso extrapola as regras. “Eu cheguei a entrar em contato com os presidentes da Federação e Confederação para tentar solucionar o caso amigavelmente. O dirigente da Confederação, Jarbas Soares, já afirmou por telefone que o ocorrido não é considerado interferência, mas me parece que o presidente da Federação está ignorando o próprio manual de regras da Confederação. Para piorar, ele entende que a atleta deveria ter protestado por escrito no prazo de 30 minutos após o término da bateria, conforme diz o Regimento. No entanto, esse tempo foi todo gasto pela atleta adversária, o que inviabilizou qualquer chance de réplica por parte da atleta Gina. Não podemos esquecer, que tal disposição regimental é abusiva e ofende gravemente os princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório e devido processo legal. Portanto, tal argumento é desprovido de fundamentos jurídicos, configurando desse modo inequívoco cerceamento de defesa”.

O Advogado ainda atenta a um fato no mínimo inusitado, “além de tudo isso, eu tive a grave informação que o presidente da Federação pediu para que o presidente da Confederação que não se intrometesse mais no caso. Isso é um absurdo, onde já se viu uma Federação pedir a uma Confederação para não se meter no problema, sendo que pelo estatuto é dever da Confederação fiscalizar as Federações e defender os interesses dos atletas. Na minha opinião, havendo negligência ou desídia da Confederação, o caso dará margem para outros direitos”, destaca Dr. Daniks Fischer.

Ainda segundo o advogado, o assunto acende o debate dos abusos cometidos pelas entidades de administração desportivas de um modo em geral, as quais devem submeter seus estatutos e regimentos à legislação desportiva, mas quase ninguém o faz. “No caso do Bodyboard, tanto a Federação quanto a Confederação não dispõem de Tribunais de Justiça Desportiva (TJD e STJD), a afirmação é do próprio presidente da Confederação. Para confundir, as entidades, por vezes, adotam o termo Comissão Técnica no lugar de Comissão Disciplinar. A Lei Desportiva diz que a decisão tomada sumariamente, ou seja, aquela tomada na praia, deve ser feita por uma Comissão Disciplinar (e não Comissão Técnica), devidamente constituída e registrada, com a participação, inclusive, de dois advogados nomeados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de sua região”, declara Fischer.

O advogado ainda afirma que neste caso em específico, a decisão foi feita diretamente pelo presidente da Federação, Adilson Junior, o Chumbinho, que também atuou como organizador e diretor técnico do torneio. “Nesse caso, há dois fatores agravantes, a uma, porque a lei dispõe que o dirigente da entidade não pode fazer parte da Comissão Disciplinar, a duas, porque mesmo que não haja Comissão Disciplinar instituída, como organizador que era no evento, o dirigente jamais poderia influenciar na decisão da Comissão Técnica tomando para si o posto de Diretor Técnico da prova, está lá na parte final do Livro de Regras, portanto, a punição dada por ele, além de não ser tipificada no Regimento, ainda que fosse prevista, é anulável porque o organizador não goza de legitimidade para tomar tal decisão”, conclui o defensor.

O Dr. Daniks Fischer alerta que com isso os atletas se encontram fragilizados perante os seus gestores, e o caminho direto para ter reconhecido os seus direitos será o da Justiça Comum, o que levará a um maior desgaste para ambas as partes, capaz de abalar a performance dos atletas nos treinamentos e futuras competições, e também o caixa das entidades com a contratação de advogados e o pagamento de indenizações, inclusive na esfera moral. “Conforme dispõe o art. 50 do Código Civil, o dano financeiro à entidade pode chegar ao patrimônio pessoal de seus administradores se for provado que houve desvio de finalidade (abuso de poder) no exercício das funções da respectiva pessoa jurídica, nesse caso a Federação e todos os seus diretores”, explica.

Em nota, Frank Bernardo, Diretor Técnico da Federação de Bodyboarding do Estado de São Paulo e membro do Conselho Fiscal da Confederação Brasileira de Bodyboard informou que todo recurso deve ser interposto dentro do prazo previsto no Livro de Regras, ou seja, em até 30 minutos após a decisão do quadro técnico. Dessa forma, o recurso da atleta em questão não deveria nem ter sido conhecido, pois foi intempestivo, ou seja, praticado após haver decorrido o prazo legal. Já o advogado da atleta Gina Fellix informa que só aguarda a volta do recesso para ingressar com ação no Tribunal de Justiça.

Por Charles Roberto

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